quarta-feira, 20 de maio de 2009

Quimera

Ela o esperou. Encerrada em solidão e fantasia. Amando cada dia um pouco mais, sonhou com a volta. Todos os dias, no crepúsculo das horas, subia ao farol da vila. Do mar ele viria. No alto, desolava-se em abandono. O mundo era grande demais para suas forças. Bordava roupas de núpcias em fios de esperança. Trazia no peito a certeza pungente do regresso de um amor partido; o amor não mente, dizia. Os olhos negros aos poucos se nublaram. Não ria mais como antes, definhava a alma em gotas, não sabia que amar requer espera. Outros tempos vieram, tantas lágrimas, abandono, os dias a roubar-lhe a vida, a sanidade. Definhava, envolta em fantasias. Veio a peste, morreram os pais, o amor a puniu com mais vida. Os irmãos sumiram mar adentro em busca do futuro. Ela lá ficou. Espera sem fim, o farol abandonado, único refúgio da vida. Nas noites em que clamava o corpo à alma, um delírio solitário nos subia ao juízo, um calor percorria um tudo em nós, nos queimava feito palha seca, nessas noites eu ouvia seus soluços. Não tinha mãos pra alcança-la. Solidário e distante, agonizava em meu amor de menino.
Um dia, minha santa ganhou asas, brancas, e feito gaivota alçou vôo do cárcere. Partiu. Em plumas de sonhos fugiu nos ares. Viveu a amar, sem saber-se amada, esperou a volta do ingrato amor, desconhecendo que ere por mim tão esperada.
Venho todos os dias ao farol, me esqueço em horas sombrias, do cume vejo o mar, espero que ela desca sobre minha dor, com asas etéreas, e carregue minh’alma. Sei que ela não virá. Eu sei. Mesmo assim, a espero.


Conto escrito em 1999 e que integra o livro de contos Lentagonia, que lançei em 2002

Um comentário:

  1. Rapá... que agonia. Esse amor não realizado faz doer cara. Gostei muito da história. E utilizar o farol. Como uma luz né? Tipo esperança. Uma esperança de algo que não vai acontecer... é cruel.

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